segunda-feira, 19 de abril de 2010

Serpa 160




No sábado 17 de Abril, decorreu mais uma edição da ultra-maratona de Serpa.
Contámos com a presença do Paulo Ferreira que se propôs chegar ao fim deste duríssimo desafio.

Desta vez o rescaldo vai ser de um verdadeiro mestre do pedal para percebermos toda a dureza inerente a uma prova deste tipo e qual o significado da superação pessoal.
Abaixo vamos transcrever o relato de um grande senhor do ciclismo português chamado Vítor Gamito.


"Água e lama foram os principais obstáculos dos mais de 300 aventureiros do SRP160.

Pela primeira vez participei na Ultramaratona SRP160. Desde o primeiro ano, tenho marcado presença em Serpa, mas sempre optei pela maratona (80km), sobretudo pelo facto de não me sentir fisicamente preparado para pedalar mais de 7 horas em cima de uma BTT.

Este ano com a maior disponibilidade para treinar, não fazia sentido continuar a fazer metade do percurso de Serpa. Até porque costumo dizer: "Meias são para os pés" :) Mas confesso que na véspera da prova já sentia um sentimento de arrependimento por tamanha loucura, isto porque há quase uma semana que não parava de chover e os campos estavam completamente alagados. Pedalar tantos quilómetros nestas condições, só mesmo para malucos. E eu seria um deles.

Mas como já tinha dito a meio mundo que fazia o SRP160 nem que chovesse canivetes, o orgulho não me permitiu que desistisse. E lá fui eu. Sai do hotel em Beja, às 6h15 e para não variar...chovia. Cheguei a Serpa e...chovia. Mas ainda antes da partida, marcada para as 8h, o tempo começou a melhorar. É óbvio que os caminhos não iriam melhorar com esta abébia do S.Pedro, mas pelo menos arrancámos para a prova com o corpo seco. O que mais custa é estar na linha de partida e a levar com a chuva em cima!

Arrancámos às 8h00 em ponto. Deveriam ser uns 300 atletas para os 160km. Houve quem se inscreve-se, mas depois não compareceu. Os primeiros quilómetros do percurso foram em asfalto, ideal para aquecer os motores e permitir aos mais rápidos posicionarem-se na frente. Mas mal entrámos nos trilhos em terra, apercebemo-nos que, apesar do acumulado desta prova não ser muito alto, iriamos ter muita dureza pela frente. Os pneus colavam-se ao solo. Mesmo em plano tinhamos que fazer força constante. A bicicleta não embalava. A juntar a isto, os inúmeros riachos que se tinham transformado em ribeiros. Alguns deles com água até à cintura. E que fresca estava a água! Quando não era a água eram as poças de lama. Em algumas delas os sapatos desapareciam. Recordo-me que tentei passar uma montado na bike, mas a roda da frente ficou enterrada até ao eixo. Quando coloquei o pé no solo, fiquei também enterrado até ao joelho :)

Todas estas dificuldades, e ainda mais o vento que começou a soprar mais forte a partir do meio-dia, fez com que se formassem pequenos grupos. O grupo dianteiro era composto apenas por 8 elementos: Vitor Gamito, Tiago Silva, Hélio Ramos, Ricardo Figueiredo, João Marinho, Nuno Sabido, René e mais um que não sei o nome. Tudo malta que anda muito bem, e qualquer um candidato á vitória.

Este grupo rolou junto mais de 90 quilómetros. A faltar pouco mais de 55 quilómetros para o final, ao km 94, e 3h55 de prova, num estradão largo em terra, ligeiramente a subir, decidi acelerar o ritmo, para ver quem do grupo estava em melhores condições físicas. Coloquei-me na frente do grupo e fui acelerando progressivamente, durante cerca de 4 quilómetros. Quando olhei para trás, comigo vinha apenas o Tiago Silva.

Apesar de ainda faltar muito para a meta, decidi continuar num ritmo forte. Passados uns 5 quilómetros, o Tiago também descola, e a partir daí até à meta, cerca de 50km, rolei sozinho, sempre num ritmo forte mas minimamente confortável para aguentar mais de 2 horas.

Sinceramente os últimos 15-20km, custaram bastante, as pernas já estavam bastante doridas, nos últimos topos já eram dores quase insuportáveis. Também ainda só tinha passado 5 dias do Geo-Raid, e já estava a pedalar na lama e água há mais de 5 horas!! Mas como não sabia se levava muito tempo de avanço para os restantes atletas nunca aliviei demasiado. Preferi suportar a dor mais uns minutos. Ao cortar a meta, veio a sensação de mais um objectivo cumprido.

O maior prémio que se pode levar destas experiências de vida - a superação, a persistência mesmo quando queremos desistir ou nem sequer alinhar. Quando conseguimos concretizar os desafios, crescemos mais um pouco como individuos e não só como desportistas! Depois de acordar ás seis da manhã, olhar para janela e ver chover, e que me espera mais de 150km de trilhos alagados, o cortar a meta (no meu caso em primeiro) faz-nos esquecer tudo isto, e dá ainda mais valor ao desafio.

Mas há que dar ainda mais valor áqueles que realizaram este percurso com menos preparação física, e que demoraram mais de 9-10 horas para o realizar. É de campeão!!

No final, já depois do banho e do almoço, e como a vida não é só BTT, fui à famosa cervejaria Lebrinha, beber uma imperiais, com um grupo de amigos ;)

Aproveito para dar os parabéns ao incansável Luis Silva e á organização Trilhos Vivos. Este ano tiveram trabalho a dobrar, porque tiveram que fazer alterações ao percurso, por culpa do S.Pedro, na noite anterior.

O meu agradecimento público também à Lena, minha mulher, pois já tem as mãos quase esfoladas de tanto esfregar roupa :)

Números do SRP160: 149km - 6h08 - 2288 de subida acumulada. Média de FC: 76%, Máxima de FC: 94%, Calorias gastas: 5.480 kcal. Velocidade média: 24,3km/h, Velocidade máxima: 66,6 km/h.

Alimentos e suplementos ingeridos: 2 Extreme Gel, 4 barras energéticas, 2litros de Goldrink Premium e meio litro de água. Uma pastilha de magnésio e 1 Extreme Cut Explosion da GoldNutrition.

Vítor Gamito"


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